Aline
Marks
Conhecimento,
Compreensão e Novas Legitimidades
DIVERSITAS
– USP
As
histórias deixaram de ser contadas pelos pais, as canções de ninar e acordar já
ficaram no passado também. Espinhas e alterações de humor sinalizam que a
puberdade está chegando. O corpo mostra sinais de que as coisas vão mudar muito
daqui para frente.
Mesmo
que a infância seja encarada como um momento feliz, a realidade é que a
infância é recheada de medos, experiências de perdas e dores, e provavelmente
os adultos criam histórias felizes sobre as crianças para esquecer suas
infâncias não tão felizes, pois a infância permite ilusão, sonho e fantasia
como substituta da dor, dos medos e sofrimentos. Mas lidar com esta história de
vida dentro do mundo real, que surge como um choque na adolescência, é muito
mais complicado. A mente é bombardeada por comparações, acusações, incertezas,
medos, dúvidas, preocupações e ansiedades ao mesmo tempo em que o corpo sofre
com alterações que provocam, em um curto espaço de tempo, excitação e preguiça,
animo e desanimo.
Despedir-se
da infância e dar os primeiros passos rumo à vida adulta não é uma tarefa
fácil. Comportamento agressivo e violento, oscilações no humor e a busca por
experiências que testem seus limites são alguns dos desafios que encontram em
suas relações consigo e com o mundo ao redor que, somadas às dificuldades de se
expressar, tornam tudo uma bomba relógio em suas mentes e corações, atingindo a
todos que os cercam.
Tudo
fica ainda mais pesado quando consideramos a vida em nossa cidade, a velocidade
da informação, do consumo, do tempo. A escola, os estudos, as provas, as
cobranças, e a chegada de desejos, conflitos e medos que antes não existiam. A
conversa fica de lado, aplicativos, games e redes sociais ocupam o pouco tempo
que resta.
Neste
momento, as referências familiares quase desaparecem ao mesmo tempo em que os
diálogos tornam-se cada vez mais raros e de pouco entendimento.
“Adolescentes são chatos!”, “Ele já não me
obedece!”, “O que eu devo fazer para ajudar meu filho adolescente?”, “Eu já não
sei mais o que acontece com ela!”. São alguns desabafos dentre muitos outros
feitos por pais cada vez mais ausentes, ocupados...
Muitos
adultos acham que não dá pra conversar sério com adolescentes, que eles não
sabem o que estão falando, que não precisam de conversa. Mas a conversa, o
dialogo, pode melhorar todos os impactos que eles estão sentindo no corpo e na
mente. Saber que podem dizer o que pensam e sentem ajuda a aliviar toda a tensão
acumulada. É preciso construir
confiança, os adolescentes precisam saber que serão ouvidos e entendidos para
se sentirem seguros e aprofundar a conversa.
Os
adolescentes têm perguntas sérias pra fazer, coisas profundas pra dizer e
situações difíceis pra contar. Em forma
de brincadeira, de piada ou de maneira agressiva eles dizem o que pensam, vivem
e precisam saber, por isso a mente de adultos que convivem com eles precisa
estar aberta: é preciso compreensão para levar a serio a brincadeira, paciência
para ignorar a agressividade, e conduzir a conversa de forma que se sintam
respeitados. Reprimir, acusar, brigar, impor, além de não ajudar, piora a
comunicação. Correções, orientações e limites podem ser negociados, respeitando
suas necessidades.
“Todo
mundo “bate punheta” neh!?” (Renan, 11 anos)
“Às
vezes eu fico a madrugada toda falando com meus amigos na internet, eles me
entendem, e com eles eu posso falar tudo.”(Mari, 12 anos)
“Minhas
amigas não me entendem, e eu acabo ficando sozinha na escola, não tenho
amigos.” (Ana, 12 anos)
“Eu
gosto de conversar, mas não dá tempo sabe, tem muita coisa pra fazer na escola,
e em casa todo mundo chega tarde.” (Lucas, 11 anos)
As
declarações expõe a seriedade dos assuntos e deixam clara a necessidade da
comunicação e das relações sociais para um ser humano se sentir parte da
sociedade em que vive. Quando as crianças fazem a transição para a adolescência
elas precisam saber do que fazem parte, quais são as crenças e valores que a
cercam e também precisam questionar este mundo ao redor. Para que tudo isto
aconteça sem danos, os adultos ao redor precisam estar dispostos a ouvi-los,
conversar com eles, compreendê-los e ajudá-los nesta fase que parece tão
difícil e confusa.
Comprar
mais canais na TV a cabo ou aumentar o plano de dados do celular não diminui a
necessidade de diálogo. O que os adolescentes realmente precisam é de conversa,
dizer o que pensam e saber que existe alguém que os leve a sério, que os
compreenda e apoie. Enquanto não puderem expressar todos seus impulsos,
conflitos e questionamentos, crescerão perdidos, confusos e buscarão refugio em
qualquer coisa que gere prazer sem medida.